Introdução
É fascinante como as maiores descobertas científicas têm muitas vezes origens surpreendentes. Em particular, um dos tratamentos para a diabetes mais importantes da atualidade tem as suas raízes no veneno do monstro de Gila. Poderás ficar surpreendido ao saber que os péptidos do lagarto inspiraram os agonistas dos receptores GLP-1 (GLP-1 RAs) para a diabetes e a perda de peso.
Esta ligação inesperada entre uma toxina mortal e um medicamento que pode salvar vidas mostra o poder da natureza na ciência. Especificamente, os cientistas que examinavam os péptidos do veneno descobriram compostos que podiam imitar o GLP-1. Com o tempo, estas descobertas ajudaram a revolucionar o tratamento da diabetes.
Neste guia, vamos ver como o veneno do Monstro de Gila levou a terapias baseadas em GLP-1. Além disso, vamos compreender como estes medicamentos estão a mudar radicalmente as vidas.
O GLP-1 e o seu papel
O corpo depende de hormonas como o GLP-1 para gerir os níveis de açúcar no sangue. Especificamente, quando comes, os teus intestinos libertam GLP-1. De seguida, o GLP-1 desencadeia a secreção de insulina e reduz os níveis de glucagon. Com este processo, os níveis de açúcar no sangue baixam e ajuda a evitar picos perigosos.
No entanto, o GLP-1 natural decompõe-se rapidamente, durando apenas alguns minutos. Devido a este curto período de vida, é difícil utilizá-lo como medicamento. Por isso, os cientistas precisavam de uma versão que se mantivesse ativa durante mais tempo. Foi aí que o veneno do Monstro de Gila entrou em cena.
O papel do veneno do monstro de Gila
O veneno pode parecer uma fonte improvável para a medicina, mas tem dado origem a várias descobertas de medicamentos. De facto, mais de 20 medicamentos provêm de criaturas venenosas, incluindo analgésicos e tratamentos para a tensão arterial. Certas toxinas animais são também benéficas para o tratamento de cancros.
O lisinopril, um medicamento para a tensão arterial, provém do veneno da víbora brasileira. Especificamente, reduz os químicos que bloqueiam o fluxo sanguíneo.
Em particular, os venenos de cobras e lagartos contêm péptidos altamente especializados que interagem com as células humanas de formas únicas. Consequentemente, os investigadores aperceberam-se de que alguns peptídeos do veneno imitavam as hormonas naturais, conduzindo a potenciais tratamentos.
Um grande avanço veio de um réptil surpreendente: o monstro de Gila.
Veneno do Monstro de Gila e GLP-1
Em 1980, o gastroenterologista Paul Ruffman, do Instituto Nacional de Saúde, estava a testar veneno em pâncreas de porquinhos-da-índia. Como o pâncreas desempenha um papel importante na digestão dos alimentos, Ruffman queria ver se o veneno faria com que o pâncreas libertasse mais enzimas para acelerar a digestão.
Descobriu que o veneno do monstro de Gila, em particular, produziu a reação mais forte. Descobriu que uma proteína no veneno funcionava como o GLP-1, que os humanos têm. O monstro de Gila é um lagarto venenoso que vive no sudoeste dos Estados Unidos e em Sonora, no México. Pode crescer até 22 polegadas de comprimento e é o único lagarto venenoso nativo dos EUA.
“Pode ser bastante aborrecido”, partilhou Raufman. “A esperança é que, no final, descubras algo interessante. E é ainda mais entediante se a experiência falhar. Podes fazer tudo isso e acabar sem nada”.
Mais tarde, foi no final do século XX que o endocrinologista Daniel Drucker andava à procura de uma hormona semelhante ao GLP-1. Especificamente, ele queria que ela tivesse os mesmos benefícios de suprimir o apetite e regular os níveis de açúcar no sangue. Mas queria uma hormona que não fosse degradada pelo organismo tão rapidamente.
Com a sua equipa da Universidade de Toronto, Drucker obteve um monstro de Gila do Jardim Zoológico de Utah. Com o seu trabalho, conseguiram confirmar que o monstro de Gila e o seu péptido único, o exendin-4, se comportavam de forma semelhante ao GLP-1. Mas, ao contrário do GLP-1 natural, o exendin-4 durava muito mais tempo no organismo, o que o tornava um candidato ideal para o tratamento da diabetes.
“Não sabíamos que o GLP-1 reduziria o apetite e seria útil para a perda de peso”, comentou Drucker. “Não sabíamos que o GLP-1 reduziria os ataques cardíacos e os acidentes vasculares cerebrais e melhoraria a doença metabólica do fígado e todas as coisas que o GLP-1 faz agora.”
Posteriormente, foi lançada uma versão sintética. Mas foi apenas em 2005 que a descoberta do veneno do Monstro de Gila levou ao exenatide (Byetta), o primeiro agonista do recetor GLP-1. Aprovado em 2005, o exenatide ajudou os pacientes com diabetes tipo 2 a regular os níveis de açúcar no sangue e promoveu a perda de peso.
Como resultado, o sucesso do Exendin-4 inspirou mais investigação sobre tratamentos à base de GLP-1, conduzindo a medicamentos mais recentes e mais eficazes.
Evolução dos tratamentos à base de GLP-1
Após o sucesso do exenatide, as empresas farmacêuticas desenvolveram agonistas do recetor GLP-1 de maior duração e com melhores resultados. Em particular, estes medicamentos transformaram o tratamento da diabetes, ajudando os doentes a controlar o açúcar no sangue e até a perder peso.
Tratamentos notáveis à base de GLP-1:
- Liraglutide (Victoza, Saxenda) – Aprovado para diabetes e perda de peso.
- Semaglutide (Ozempic, Wegovy, Rybelsus) – Mais eficaz, com dose semanal em vez de diária.
- Dulaglutide (Trulicity) – Injeção uma vez por semana para um controlo conveniente do açúcar no sangue.
Estes medicamentos actuam abrandando a digestão, aumentando a libertação de insulina e reduzindo o apetite. Como tal, são úteis tanto para o controlo da diabetes como da obesidade.
O futuro da medicina inspirada em venenos
Os medicamentos à base de veneno continuam a inspirar os investigadores. Em particular, os cientistas estão agora a explorar novos péptidos derivados do veneno para terapias GLP-1 mais duradouras e mais eficazes.
Potenciais avanços futuros:
- Medicamentos GLP-1 orais – Evita as injecções através da criação de uma versão em comprimidos.
- Terapias combinadas – Mistura medicamentos GLP-1 com outros tratamentos para obter melhores resultados.
- Medicina personalizada – Personaliza os tratamentos com base na constituição genética do doente.
A investigação sobre o veneno está também a desbloquear tratamentos para além da diabetes, incluindo o alívio da dor, terapias contra o cancro e medicamentos para doenças cardíacas.
Conclusão
Anteriormente, o veneno de cobras e lagartos era temido como uma toxina mortal. No entanto, tornou-se um tratamento que salva vidas a milhões de pessoas. Especificamente, o veneno do Monstro de Gila ajudou os cientistas a desenvolver agonistas dos receptores GLP-1, transformando o tratamento da diabetes.
Além disso, esta descoberta realça o poder da medicina inspirada na natureza, provando que mesmo as substâncias mais perigosas podem conduzir a tratamentos inovadores. À medida que a investigação continua, os medicamentos à base de veneno podem ser a chave para futuros avanços médicos.
Os segredos da natureza ainda estão a ser revelados – quem sabe que descobertas que salvam vidas te esperam?
Perguntas frequentes
1. Quais são alguns agonistas populares do recetor GLP-1?
Os medicamentos GLP-1 comuns incluem o exenatido (Byetta), o liraglutido (Victoza, Saxenda), o semaglutido (Ozempic, Wegovy) e o dulaglutido (Trulicity).
2. O que é que se segue na medicina baseada em venenos?
Os investigadores estão a desenvolver medicamentos GLP-1 orais, melhores tratamentos combinados e novas terapias inspiradas no veneno para outras doenças.
3. O que acontece se um monstro de Gila te morder?
Se um monstro de Gila te morder, pode causar dor intensa, náuseas, inchaço, vómitos, suores, pressão arterial baixa ou fraqueza súbita. De facto, o YouTuber Coyote Peterson descreveu-o como “como lava quente a correr nas tuas veias”.
Normalmente, porém, o seu veneno não é fatal para humanos adultos saudáveis, embora haja excepções. O tratamento consiste em imobilizar o membro mordido, acalmar a vítima para retardar a absorção do veneno e limpar a ferida da mordedura.
4. Já alguém morreu devido a uma mordidela do monstro de Gila?
Sim, em 16 de fevereiro de 2024, Christopher Ward, de 34 anos, morreu no Colorado depois de o seu monstro de Gila de estimação o ter mordido.
5. Porque é que o GLP-1 tem uma vida tão curta?
O GLP-1 que ocorre naturalmente sobrevive apenas durante cerca de dois minutos. Isto deve-se ao facto de ser rapidamente degradado pelas enzimas dipeptidil-peptidase-IV (DPP-4)67) e endopeptidase neutra (NEP)68).
6. Que órgão produz GLP-1?
É o intestino delgado que produz o GLP-1 no teu intestino. Para além de desencadear a secreção de insulina pelo pâncreas, também reduz os níveis de glicose no teu sangue.
7. O que é que mata um monstro de Gila?
Predadores como raposas, coiotes, falcões, corujas e linces atacam o monstro de Gila. Alguns deles desenterram e comem os ovos do lagarto.
Foto de David Clode no Unsplash